Com
As vantagens de ser invisível eu fiz o caminho inverso, assisti ao filme em
2012 e só esse ano surgiu interesse em ler o livro, mesmo gostado bastante do
filme. Há algumas diferenças entre ambos, mas essencialmente os dois falam com
profundidade sobre a depressão na adolescência, e apesar do peso do assunto, a
inocência do protagonista traz uma leveza em relação ao que ele está sentindo.
O livro é uma das melhores leituras que fiz esse ano e se torna essencial para
os adolescentes na faixa etária de Charlie.
Um
jovem solitário faz amizade com dois irmãos e começa a viver novas
experiências, mas certos momentos trazem a tona traumas do seu passado.
Vou
tentar ao máximo não comparar o livro com o filme, pois todos sabem que uma
adaptação não precisa ser idêntica a historia original para ser boa, muitas
vezes as modificações dão muito certo e isso é o que acontece aqui. Não há
aquela cena da “dança estranha” no baile porque no livro há várias festas e
essa cena é uma junção de partes desses bailes e uma balada aonde Charlie vai
com Sam e Patrick. A cena do túnel é bem fiel, a única diferença é a musica
tocada no momento. Outra cena crucial é o surto de Charlie no final, que no
filme acontece de forma diferente, mas os dois trazem cenas pesadas desse
momento tão importante.
Algo muito sério acontece com a irmã de Charlie,
a Candance (que não é a agressão do namorado), mas essa coisa não é mostrada no
filme. Assim como o maior trauma do passado de Charlie, que seria algo
extremamente pesado para ser abordado em um filme adolescente com a Hermione de
Harry Potter e o Percy de Percy Jackson.
O
trauma de seu amigo Michael ter se suicidado também culmina no fechamento que
Charlie tem em relação ao mundo. O que se junta à morte de sua tia, morte que
ele acha ser o culpado. A impressão é que o mundo conspira para o sofrimento do
menino. Ele passou por muitas coisas que o quebraram por dentro e é incrível
como mesmo assim ele continua acreditando nas pessoas e tendo esperança. Ele é
um solitário que não quer ser solitário, que quer ter amigos (mais
especificamente um melhor amigo) e quer que as pessoas retribuam a dedicação e
o carinho que ele tem por elas, mesmo que ele não cite isso e que não peça nada
em troca.
Sua
inteligência e bom gosto também torna o personagem instigante. Sua playlist e
sua lista de livros e filmes são indicações tão valiosas, que é primordial ter
um caderninho ao lado quando for ler esse livro, para o leitor ir anotando as
dicas. E ouvir, ler, assistir e sentir tudo que o personagem sente e passar a enxergar
o mundo através de seus olhos, seu otimismo e sua força de vontade.
A
leitura é simples, intimista e deliciosa. São cartas escritas pelo Charlie para
um determinado personagem, o ano é 1991, e esse “diário” é escrito ao longo
desse ano como forma de terapia. Sam e Patrick são personagens adoráveis e
gentis com Charlie, a amizade dos três é o ponto alto da narrativa (mesmo que
eu esperasse ter muito mais desses momentos) os pais dele são pais comuns e a
irmã (personagem mais ativa e importante no livro do que no filme) também é a
típica irmã implicante, mas cada um deles (mesmo o irmão mais velho dele) tem
suas próprias historias de vida que os enriquecem. O professor que indica os
livros para Charlie também tem papel importante. Ele é aquele professor que
toda pessoa apaixonada por leitura gostaria de ter, que indica obras
fundamentais e debate sobre elas, ele dá importância para a opinião de Charlie,
mesmo que ele seja apenas um adolescente, porém ele acredita na capacidade de
interpretação do menino e ele tira sim mensagens incríveis de cada livro.
Assim
como Charlie, queremos ser infinitos, mesmo em nossa finitude. Queremos estar
com pessoas e sentir coisas que nos tornem únicos. Queremos estar bem conosco e
aproveitar ao máximo as belezas que só nossa solidão e nós mesmos podemos nos
proporcionar. Ele é como você e eu.
SPOILER:
Quando
assisti ao filme não tinha reparado na questão do abuso que Charlie sofria pela
sua tia, por isso essa revelação no final foi uma coisa nova, e que me deixou
muito impactada, mas só aumentou o meu carinho pelo Charlie, pois ele é um
menino muito bom, mesmo com todos os seus traumas. Como ele poderia amar uma
pessoa que fez tão mal a ele? E como imaginar que isso acontecia já que ele
idolatra essa tia? O curioso é ver que toda essa devoção a ela parecia estar
mascarando o sentimento ruim que estava adormecido nele, ele não se lembrava de
que tinha sofrido abuso, mas quando Sam tenta tirar a roupa dele (fazendo os
mesmos movimentos que sua tia fez um dia) ele se lembrou, aquele foi seu
gatilho. Talvez a depressão funcione dessa forma para algumas pessoas, em
coisas que elas querem esquecer e por isso guardam essas coisas em pequenas
gavetas dentro da própria cabeça, mas quando algo que desperta a lembrança
acontece, aquilo vem à tona como um furacão e acaba com a pessoa. Por isso ele
queria tanto alguém em quem pudesse confiar, porque as pessoas sempre o
decepcionavam, seja através de um abuso ou de uma morte, ele achava que não era
suficiente pra ninguém ou que não era digno de ninguém e isso desencadeou sua
depressão, que o filme trata de forma oculta e com muita delicadeza, mesmo que
saibamos que está lá. Primeiro a tia o estupra, depois o amigo se suicida, só
coisas ruins acontecem com ele e ele continua sendo um ótimo menino, o que me
fez lembrar-se da Hanna Baker de Os treze porquês. Esse perfil de pessoa
excelente que não é apreciada é muito presente em livros, filmes e séries sobre
pessoas com depressão, pena que Hanna não teve amigos que a notaram a tempo,
como aconteceu com Charlie.
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