Conhecido
como o filme preferido dos que não são fãs do Woody Allen, A Rosa Púrpura do
Cairo é a personificação do desejo de todo mundo que já foi fã de alguém,
também é uma homenagem ao cinema ao ver o poder que ele tem sobre nossas vidas,
o poder de nos proporcionar felicidade quando está tudo dando errado, nem que
seja enquanto a projeção do filme durar, triste mesmo é voltar a nossa medíocre
realidade.
Uma
garçonete de nova Jersey desanimada com o seu casamento e com a vida, tem como
válvula de escape ir ao cinema, até que um dia o personagem do filme sai da
tela e se declara para ela gerando muita confusão.
Você
já foi ao cinema assistir ao mesmo filme varias vezes? Confesso que sim, e nos
anos 30, época que se passa o filme (20/30 são décadas adoradas por Allen) era
comum ter poucos filmes em exibição em uma mesma época, as vezes um só,
principalmente em cidades pequenas. Cecília, a mocinha desse filme assistiu A
Rosa Púrpura do Cairo mais de cinco vezes e para a surpresa dela o personagem
Tom baxter reparava nela todas as vezes que estava dentro da tela. Ao sair da
tela ela nota o quão ideal ele é, um verdadeiro cavalheiro, tão diferente de
seu marido Monk que é um homem desempregado que a trai e bate nela, nas
palavras dele: “eu ainda aviso quando vou te bater” como se fosse a coisa mais
sensata a se fazer.
A
sacada do roteiro (que também é escrito por Woody Allen) é mostrar que apesar
de sonhadora, Cecília reconhece que a perfeição de Tom não é real e que por
mais que ele seja o homem dos sonhos dela e ele a ame, ele não pertence a ela.
Por outro lado há Gill, o ator que interpreta Tom e é um homem normal com suas
qualidades e defeitos, um homem que se fosse levado para um bordel (assim como
Tom foi) teria aproveitado e feito com todas as mulheres presentes.
Tom
representa aquele ator que idealizamos, de quem somos fãs e achamos que é o homem
dos sonhos. Que misturamos a sua própria personalidade com a de seu personagem
e pensamos que é a mesma pessoa. Imagina que sonho esse personagem que tanto
admiramos saindo da tela e dizendo que nos ama tanto quanto nós o amamos? Woody
imprimiu com perfeição esse anseio que temos de acreditar que nossa fantasia
possa se tornar realidade. E é ótimo sentir isso por uma hora e meia do seu
tempo, até você cair em si e lembrar que esse homem que você idealizou por
anos, o seu “Tom Baxter”, que você queria tanto que saísse da tela e dissesse
que a ama na verdade é uma fraude.
Cecília
é interpretada pela ex musa e ex mulher de Woody Allen, Mia Farrow, que está
muito bem em seu papel e que me senti totalmente representada na questão de ir
ao cinema como forma de fugir da rotina e esquecer da vida, acredito que para
muita gente isso também acontece. Para muitos, cinema é muito mais do que um
lugar que você vai porque não tem nada melhor pra fazer no shopping, ele é um
lugar de imersão e de esquecer os problemas. Só ali ela conseguia esquecer o
marido abusivo e o emprego ruim dela.
Como
Tom/Gill temos Jeff Daniels, em uma versão dele que nunca vi antes, ele sempre
está ótimo tanto na comédia quanto no drama, mas aqui ele está bonito e
charmoso também, por vezes esquecia que ele era o bobão do Débi de Débi e
Loide. Outros atores conhecidos do elenco são Danny aielo, Dianne Wiest, Edward
Herrmann (que já faleceu e fez Gilmore Girls) e Stephanie Farrow (irmã de Mia).
Todo o cast que faz os atores dentro da tela esperando Tom voltar é ótimo, eles
discutindo com os que continuam no cinema os assistindo é hilário. O filme tem
varias alfinetadas à Hollywood, a falta de oportunidades na indústria, o
publico que é exigente, mas que se contenta com qualquer filme e varias outras.
Woody
Allen tem uma vida pessoal muito conturbada e como ser humano não vale a nota
que pagam para assisti-lo, mas seu talento para conhecer as pessoas e fazer
historias que conversam com a gente é inegável. Aqui ele vai no fundo da mente
de um fã cinéfilo e expõe tudo que se passa em sua cabeça.
A
rosa púrpura do Cairo pode afastar aqueles que tem ranço do diretor, quando na
verdade é o filme perfeito para eles, pois não tem os maneirismos e as marcas
registradas dele, mesmo que sua mão no roteiro seja inegável. É um filme que
nos faz sonhar e ao mesmo tempo finca nossos pés no chão, ele nos dá um banho
de água fria cada vez que começamos a pensar que algo surreal é possível (o
final é um exemplo disso) em tempos de Harvey Weinstein e de tantas acusações
de assédio envolvendo atores como Kevin Spacey, Dustin Hoffman, o próprio Woody
Allen e tantos outros, ele pode perder todo o sentido (ou fazer sentido talvez),
mas ao mesmo tempo pode nos mostrar que é melhor focarmos nos personagens, pois
se misturarmos o profissional com o pessoal, a decepção é certa. A mesma coisa
com o cinema,é melhor forçarmos em toda a magia que o produto final nos
proporciona do que na podridão dos bastidores. No fim, A Rosa púrpura é um
romance clássico feito para os sonhadores.
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